...sobre poesia...


Quando olho para trás, consigo perceber que cada momento da minha vida foi marcado por um poema. Hoje em minhas rotineiras insônias estava a pensar nisso, “naqueles dias aquele livro tal me ajudou tanto”. Houve um tempo, após ter saído de casa que voltei a morar em minha cidade natal, fiquei por lá durante seis meses, um tanto desiludido com tudo, com os caminhos ainda obscuros, com o coração sem saber para onde apontar e eis que surge em minhas mãos um livro de sonetos do Vinicius, até aquele dia nunca tinha dado tanta importância para esses poemas, na minha cabeça sabia que ele falava coisas bonitas e marcantes capazes de estremecer um coração mesmo que já congelado pela vida. Nessa ocasião, durante a noite  costumava ficar só em casa, sabe aquela pergunta: “o que você faz quando não tem ninguém te vendo?”. Então, eu recitava os sonetos daquele livro, foi ali que senti, realmente, o  prazer em ler, sentir, usufruir das palavras, uma a uma, como se cada uma delas fossem mais importante que todo o soneto, agora faço memória e repito:
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Ainda há outro que descobri a bem tempo já, um verso que arremata todo poema é o que carrego para mim:
“(...) Descobri que a seu tempo vão me chorar e esquecer. Vinte anos mais vinte é o que tenho. Nesse exato momento do dia vinte de julho de mil novecentos e setenta e seis, o céu é uma bruma, está frio, estou feia, acabo de receber um beijo pelo correio. Quarenta anos! Não quero faca nem queijo. Quero a fome.”
Foi quando descobri que melancolia é um sentimento que nos tira a fome. Não existe nada de concreto que faz o coração ficar satisfeito, muitos não acreditam, acham que depois de ter tal coisa, depois de viajar para tal lugar, depois, depois, depois, alegria felicidade é algo muito urgente para ficar para depois, aprendemos com a Clarice “tenho urgência de felicidade”. Sinto que quando Adélia escreve isso, na verdade ela fez uma bela de uma oração, ela aprendeu que é preciso ter fome, pois saciá-la perderia o sentido, a arte de cada um, imagino que venha desse ponto, da fome pela vida, pelas coisas, pelo outro. Quando outro poeta fala “Salva-me ó Deus da dor do amor não satisfeito, e da dor muito maior do amor satisfeito”, alimenta da mesma fonte que  Adélia.
“Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.”
Assim que decidi não mais seguir o caminho do seminário, esses versos do poema estiveram comigo e ligado a eles outro trecho do livro pequeno príncipe, quando um personagem, agora não estou me recordando bem estou sem o livro aqui,  “muito poético, mas pouco prático!”. Quando me deparei com essa frase, depois de já ter lido esse mesmo livro mais de uma vez ( o pequeno príncipe é uma obra para vida toda ), as coisas começaram a fazer mais sentido, acredito que se em algum momento ele não falasse nesse ponto as coisas iriam ficar vazias. Não adianta investir nas rimas, em fazer algo bonito se isto não é capaz de modificar algo, percebi que nada adianta confabular aqui dentro se não exponho, se não coloco a mão na massa, sem isso tudo ficaria na fantasia, ‘bem vindo ao real-saulo’, lembro de um padre falando isso e, percebi ali que esse real, sua morada é só por meio da prática da vida de mãos dadas com o desejo, com a fome.
Agora, não posso falar de poesias que me marcaram, sem falar em dois que sempre que leio ou ouço me faz parar tudo e admirar:
“Amor é a coisa mais alegre
Amor é a coisa mais triste
Amor é a coisa que mais quero
Por causa dele falo palavras como lanças

Amor é a coisa mais alegre
Amor é a coisa mais triste
Amor é a coisa que mais quero
Por causa dele podem entalhar-me:
Sou de pedra sabão.

Alegre ou triste
Amor é a coisa que mais quero.”
  Adélia Prado
E, sempre que esse sentimento mostra um pedacinho seu, é uma das primeiras coisas que penso,  por diversos motivos que no momento não vem ao caso, mas sinto e vejo acontecer que quando não é realizado esse sentimento se torna poesia, seja não poesia dos versos, seja na poesia das palavras fazendo com que os versos do Oswaldo Montenegro ganhe mais sentido “Porque metade de mim é amor e a outra também!”.

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