...entre uma palavra e outra...




“Quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma”, sábio Fernando Pessoa. Nossas palavras é um modo de expressar o que carregamos dentro de nós. Seja, explicitamente, seja nas entre linhas do que falamos ou escrevemos. Particularmente, sou fascinado por querer entender o que está nas entrelinhas, é um lugar de intensa descoberta do outro que fala ou escreve.
Quantas vezes não deparamos com uma negativa e, com um pouco de sensibilidade acabamos descobrindo que um não esconde um sim de todo tamanho. Ora, quando negamos algo estamos afirmando outro ponto de vista. Isso é para aqueles que descobrem o prazer de ler as coisas ao contrário, para quem descobre que um ipê tem muito mais a dizer que simplesmente brotar flores ao final do inverno. Como se vê isso? Abrindo o coração para perceber que as falas estão impregnadas de sentimentos que muitas vezes não se consegue expressar claramente. Vejamos os atos falhos, sabe quando pensamos em falar uma coisa e acabamos falando outra? Ou mesmo quando temos a intenção de fazer algo e acabamos fazendo diferente do que imaginávamos fazer? Estes são manifestações lá do nosso jardim que apenas nós temos acesso e permitimos acesso. É nossa alma querendo nos dizer algo que insistimos em não ouvir, e quando o som de nossas falas é maior que o som de nossa alma, não tem jeito, adoecemos. O corpo pede que silenciamos e abrimos os ouvidos para voz que vem lá de dentro.
Entretanto há sempre um risco de cairmos em fantasias. Nem sempre o que vemos é o que realmente acontece, é preciso filtrar as informações vindas de fora com as interpretações que fazemos. Isso se torna necessário por algo muito simples, quem sabe da verdade de si é a própria pessoa, não é à toa que a palavra ‘eu’ tem o significado de verdadeiro. Logo o que temos são impressões do que ouvimos ou vemos, o real cabe apenas a quem se manifesta.
Outro risco é considerar as palavras em sua forma literal, de forma óbvia e clara, para mim é motivo de desconfiança. Entenda, aquelas coisas que são muito claras, muito ‘certinhas’ beirando algo perfeito, desconfio na hora! O mundo é expressão de pessoas que são moradas de ambiguidades, não tem como escapar, por isso, quando as coisas se apresentam dessa forma logo me pergunto: “o que essa ‘perfeição’ está querendo esconder?”.  É no silencio entre uma palavra e outra que mora a verdade. Adélia Prado bem sabia disso:
Antes do nome
“Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. (...)
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
(...)”
Pensando nisso que começo a entender novamente Fernando Pessoa: “ Meu coração é um albergue aberto toda a noite.”

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