"uma aprendizagem de desaprender..."

Resolvi pintar uma casa já velha. Tenho certa afeição por coisas velhas, o tempo impregnado nelas é algo que me fascina. Pois o tempo nos remete a histórias, estórias e desde pequeno cresci ouvindo, ora a história pela mãe professora, ora as estórias pelo avô proseador. De fato em ambas não tinha muito o que falar ou argumentar. Na verdade não queria, queria mesmo era ouvir e construir as cenas faladas na imaginação. Não era tarefa difícil, a riqueza de detalhes falados ajuda muito. A prosa do avô era rica nisso, cores, números, pessoas, roupas, estação do ano, tempo...gostava muito.
Mas quero que a casa, apesar de já velha se torne nova. Tratei de raspar as paredes para retirar a tinta velha desbotada. Raspando apareceu uma nova cor, do branco apareceu um rosa ainda mais velho. Continuei na empreitada. As cores foram se alterando a cada nova camada retirada. Até que cheguei ao início. Não havia tinta alguma, porém, madeira. Gostei do que vi...creio que somos assim, no início sem cor, sem tinta, o tempo passa, as relações acontecem e continuamente vamos sendo pintados por suas palavras e ações. Somos tatuados ao longo de nossa vida por aquilo que nos afeta. Alberto Caeiro estava certo quando afirmou que somos o intervalo do seu desejo e o que o desejo o outro fez de dele. 
Corre-se um risco permanecer nesse intervalo, ficar nesse intervalo é de se adoecer. Porque pode ser que apareça desejos conflitantes, antagônicos. E pode ser que aconteça o ponto de estresse do elástico. Nesse ponto resta uma aprendizagem, desaprender.
Raspar as tintas de nossas paredes impregnadas de tantas falas, palavras, ações feitas mutualmente ao longo da vida, na esperança que em meio as raspagens e lixações se consiga ir para além do que se consegue, encontrar, enfim, a sabedoria ignorada.  Lembro de Fernando Pessoa falando: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já a forma do nosso corpo, e esquecer os nosso caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. è o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."...a sabedoria do esquecimento.
Esquecer para fazer da memória um lugar bom de se caminhar. De tempos em tempos em nossa travessia é preciso aprender isso, pois a vida constantemente faz a travessura de mudar suas perguntas para ela continuar...

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