Minhas reticências...

Não me lembro de outra época em que parava e ficava olhando para as coisas já feitas por mim, principalmente no que diz a respeito das prosas que aqui posto. Naturalmente não são todas que ficam expostas, pois, sempre, há aquelas que ficam guardadas a sete chaves no meu cofre do silêncio. Este acesso, ainda limitado, poucas pessoas o possui. Porém subitamente, de uns tempos para cá, tenho revisto muito de minhas prosas. Um pouco de contradição comigo mesmo, mas ora, quem somos nós senão portadores de tantas ambiguidades, talvez, muito talvez, na busca da cura delas faço um revisão de tantas coisas já proseadas por aqui. Verdade, que este espaço está indo para seu terceiro ano, com muitas idas e vindas, quem acompanha já sabe que na verdade que as minhas prosas não são senão as verdades fragmentadas que alimento todos os dias. E, muitos temas repetidos, outros novos, aparecem e desaparecem continuamente, porém, aquele que fica sempre impregnado a cada linha escrita é o tema da palavra, jogos de palavras, palavra escrita, não escrita, silenciada. Mas, voltando, ultimamente tenho relido muitas coisas que outrora escrevi. Engraçado essa sensação, pois, por vezes, bate aquele sentimento, ‘não é possível que escrevi isso!’, sentimento de estranheza diante de si mesmo, pois o espelho que o passado retrata pode não dizer nada sobre o presente, melhor, diz, diz que somos e seremos passagem, travessia...bom depois de um desabafo, vamos a mais uma prosa, com um tema já falado várias vezes:

Saudade eu tenho, muita mesmo. Mas não sou saudosista, saudosista é aquele que vive do passado, somente. Conjugo o presente com o passado projetando um futuro, costuma sair coisas boas na medida em que caminho tentando ser um pouco mais coerente. Coerência, atitude que se é moldada no decorrer de uma vida inteira, quando as ações traduzem as falas. Corremos sérios riscos de colocar as pessoas em formas de fazer bolo e pensar que seu existir submete apenas aquele espaço, existir faz um enlace com a liberdade não com formas, arquétipos.  Quando colocamos o outro em uma forma falamos indiretamente conheço você mais que você mesmo, loucura! Pessoa-gente é mistério, gasta o tempo de uma vida para conhecer um pouquinho que seja desse mistério todo, o que fica, aprendemos a conviver no desejo de felicidade. Por liberdade e mistério, as coerências mudam conforme o existir conjuga com o passado e o presente em posturas novas, longe de formas.

Saudade é prova mais concreta que somos capazes de amar. Apenas sentimos falta daquilo que de certa forma faz parte da gente e não está presente, buraco. Dolorido por vezes, pois, naqueles momentos sós em que apenas a presença em silêncio bastaria não se faz. Silêncio porque há expressões que as palavras não suportam e a única tradução é o não-dizer, o silêncio repleto de falas e gestos. Até nos silêncios existe saudade, quando na presença do silêncio há música, há alegria!  Tem um poeta que fala que começamos amar quando ligamos a pessoa a uma metáfora poética, pois, digo, que também começamos a amar quando no silêncio ouvimos versos em notas musicais. Saudade novamente é uma presença de uma ausência, é quando nosso coração quer voltar a ter presença da felicidade, fazer memória das cenas que os olhos fotografaram e guardaram no porta retrato da alma. Algo é certo, só se tem saudade quando tem uma vida emocional rica e, quanto mais rica, mais saudade. Riqueza essa que é feita de pequenos grandes-gestos que sensibilizam o coração, numa fala, num tom de voz diferente, carta, em um encontro inesperado, num abraço, no beijo. O que traz riqueza para nossa vida é nos dado de graça, está na motivação que nos leva a emaranhar vontade com ação para a vida ficar um tanto mais alegre, notando nessa conjugação, quando na saudade que “há mais presença em mim o que me falta”. Na saudade o copo de água fica vazio, mas esse mesmo vazio me diz da água que ele comporta e, pela sede que a todo momento sentimos vou a mina d’água encher. Porém, saudade é distância, como encontrar a mina? Nas memórias das cenas passadas. O silêncio da ausência traz a música que permeia cada fotografia que os olhos fotografaram e, na esperança do reencontro vamos à mina das memórias!

Nossa alma é um jardim e dentro desse jardim há outro, jardim secreto. O primeiro é aquilo que mostramos a todos com quem convivemos, nosso cartão de visitas. Nele há um banco para as pessoas sentarem e baterem um dedinho de prosa, prosa de coisas sem importâncias, geralmente falando de coisas que não diz respeito um ao outro, coisas práticas, afazeres, responsabilidades e algumas experiências sem muita relevância. No entanto esse dedinho de prosa pode levar bem aos poucos a partilhas mais interessantes nas experiências de vida, sentimentos e, quando a conversa chega nesse pé, adentramos para nosso jardim secreto, lá entra apenas quem deixamos, apenas aqueles que quando ouvimos, não ouvimos, como se a gente mesmo estivesse falando pelos lábios do outro. No jardim secreto é onde a comunhão acontece, nele não há banco, mas, inúmeros caminhos, envoltos por árvores, acredito que no meu jardim os meus caminhos são envoltos por ipês amarelos, por onde se caminha mostrando as mais diversas paisagens,  lugar de revelações, um convite ao amor. Quem entra, começa a fazer parte do jardim, pois conhece e interage com o que pode existir de mais belo da pessoa, por outro lado, com o que de mais sombrio há na outra pessoa. Entretanto, a graça da liberdade, conhecendo o jardim, recebendo o convite, fica livre para ficar e cultivar ou debandar. Se há um momento de extrema felicidade é quando, conhecendo a beleza e o lado sombrio do jardim secreto do outro, afirma-se: quero cultivar, pois, com você fiz a escolha do amor. Saudade é a resposta que temos quando se está longe do  jardim secreto de quem cativou e foi cativado, atitude que temos que mesmo distantes cultivamos os jardins, cultivamos amor.

“ o amor é o que o amor faz”, recebi essa frase há algum tempo. Relacionar amor com sua ação, melhor, definir amor pelas suas próprias ações, isso tem haver com coerência. Como disse, quando as ações traduzem nossas falas. Por isso não existe jardim sem cultivo. Saudade sem amor e amor sem saudade. Hoje escrevo, pois, a saudade está maior que eu, extravaso em frases como essas...cultivo jardim!

Sabe, o que me move não é a tristeza que a distância impregna, mas, a esperança do reencontro. Pois faço memória de três versos: “ cantiga triste, pode com ela quem não perdeu a alegria”, “por prazer da tristeza vivo alegre”, “amor é a coisa mais alegre, amor é a coisa mais triste, amor é a coisa que mais quero”. Quero e vou aprendendo aqui a ter amizade com a ausência, quem faz as pazes com a ausência aprende que da tristeza surge beleza, pois as duas estão quase sempre juntas. Eu choro lendo poesia, choro ouvindo música, choro vendo pintura, choro quando lembro de uma cena, pode falar sou um chorão! Chorão com o coração muito bem e sem desejo nenhum de mudar isso. Já imaginou se eu parasse de fazer essas coisas só para evitar o choro, “por prazer da tristeza vivo alegre”. Mas o quero é amor, alguns falam e acreditam que é chama, efêmero. Para mim depende apenas da fonte que se extrai o oxigênio. Mas amor que o encontra como bem diz Adélia, é igual fé, não teologa mais. Por que a rosa floresce? Floresce porque floresce.

Lembro de um poema de Drummond quando ele fala que lastimava a ausência até que descobriu que na verdade a ausência é se não um estar nele mesmo. Ausência é estar em mim. Na solidão que as verdades mais profundas de cada um transparecem. Oportunidade de mergulho para o intimo, para o encontro sobretudo conosco. Há de notar que nessas experiências, quando nos encontramos em verdade, encontramos o essencial, aquilo de mais sagrado, o toque de Deus em nossos corações.