Cultivando sonhos




Nosso coração é uma mina profunda onde se encontra nossos sonhos a espera da passagem.  Fazem morada transitória, nascem e logo querem sair, logo querem sofrer a transformação de sonho para real. Por outro lado precisam de veículo que os levem para fora do coração, precisam de um significado que os comportem e ao mesmo tempo os coloquem em movimento.
No livro História sem fim, Bastian precisava encontrar um sonho  esquecido para conseguir sair do mundo de Fantasia, procurou, procurou, mas seus olhos do coração estavam cegos para ver e relembrar de seus sonhos esquecidos já que estes nascem no coração, passou um muito tempo a procura até que de repente, olhou para um cena e sentiu algo diferente, uma mistura de nostalgia, saudade, alegria. Os sentimentos sustentaram o significado da cena vislumbrada. Bastian voltou ao seu lar. Seu sonho se tornou real. Há sonhos esperando para serem traduzidos para se tornarem reais.  
Quando nos tornamos capazes de transpor os sonhos para o real do cotidiano de nossa vida, começamos a construir um pouco do que para cada pessoa seria a felicidade. Estes sonhos são individuais, cada qual carrega e se faz morada deles, por outro lado, há sonhos fundamentais, estes são compartilhados por pessoas próximas, são sonhos que possibilitam a comunhão entre as pessoas, jardim!
Jardim é o lugar de maior felicidade, lugar de cultivo. Crianças sabem bem encontrar esse lugar, cultivam dentro de si uma vida, sonham possibilidades que para os adultos não são possíveis, tanto, só prestar atenção de como somos surpreendidos por pequenos grandes gestos-palavras vindas daqueles pequeninos, neles, transpõem as barreiras e fazem sonhos tornarem reais. Nós adultos corremos o risco de perdemos essa essência, ficamos vinculados as coisas possíveis aos nossos olhos e não deixamos esse movimento de passagem acontecer em nossa vida. Muitos ainda, sufocam tanto essas expressões que o que era para ser cultivo em um jardim se torna tormento, como aquelas pragas que pegam nas plantações que de pouco em pouco vão correndo, tirando a vida até levar a morte, essas pragas em nosso jardim manifestam-se em tristezas, depressões, irritações. Quando isso toma conta de nosso jardim, perdemos as crianças que somos convidados a ser.
Voltamos a ser crianças quando somos capazes de criar, quando enxergamos que aquilo que nós temos não corresponde ao sonho que quer sair de nós. Por isso, acredito que somos co-criadores do mundo, Deus fez o jardim, o homem se perdeu nesse jardim transviando do projeto Deus, reencontrando Deus, o homem, faz de sua a vida a expressão do desejo de Deus para sua criação, salvação! Para tanto, criamos, expressamos, nos tornamos sujeitos de nossa história movidos pelo Verbo encarnado.
No fundo, nossos sentimentos é o solo por onde nossos sonhos caminham, através deles que são expressos, pois, nossos sentimentos falam de uma forma ou de outra, nosso jardim tem voz! Guimarães Rosa sabia bem disso “ São muitos e milhões de jardins, e todos os jardins se falam. Os pássaros dos ventos do céu - constantes trazem recados. Você ainda não sabe. Sempre à beira do mais belo(...). Um dia você terá saudades... Vocês, então, saberão... “. Apenas quem tem a capacidade de sentir saudade pode compreender o que um jardim fala. Por isso, cada um tem que ser capaz de plantar seu próprio jardim, pois, as saudades que se sente não é a mesma que o outro sente, notório hoje quantas pessoas deixam que outros plantem em seu jardim, podem até plantar um jardim mais bonito mas, este não seria a expressão autentica do individuo, não seria seus sonhos transpondo as barreiras para se tornarem reais.
Cultivar um jardim, cuidar de um jardim, não é se preocupar com a estética apresentada nos lugares de fora porém é, sobretudo, zelar pela beleza dos lugares internos. Percebe isso quando se descobre que o cultivo começa com um sonho de amor, antes de tudo acontecer há de existir primeiro em nosso coração. Apenas quem cria um jardim interno saberá expressa-lo no real, terá a capacidade de caminhar por ele e convidar outros a fazer companhia em sua caminhada. Na caminhada percebendo que os jardins se assemelham, pode acontecer a troca das chaves, a você dou livre acesso aos meus sonhos e recebo de você os seus sonhos, assim compartilhados-parecidos começa a construção de um jardim em comum onde os sonhos apontam para a mesma direção. Mas, como todo jardim, há o risco de invasão de pragas, escondidas nos lugares escuros dos jardins ou vindas de fora do jardim. Por vezes não são pragas aparentemente feias, elas chegam na forma de algo muito bonito e promissor não dando motivos aparentes para retira-las, porém, com o tempo vão tomando um espaço, modificando o que fora criado pelos jardineiros até que toma conta de todo o jardim, quando isso acontece, o jardim é fechado e cada um retorna para seu jardim particular. Sonhos muito belos e fáceis de se concretizar escondem em sua sombras algo que não possui nada haver com construção e comunhão, sim, com separação e destruição. Pois, a maior beleza não está na construção, no encontro, na caminhada e sim em como isso é feito, está no esforço feito para a realização e concretização da comunhão, travessia. Cultivar um jardim é também saber que as pragas sempre virão e nasceram, além, é saber reconhecer o que deve ser cortado pela raiz para não deixar sombras e o que deve permanecer para o jardim continuar a crescer.
Quando penso em tudo isso, me vem a memória de uma crônica que li a um tempo falando sobre crianças com síndrome de Down, essas pessoas não aceitam o que contraria seus desejos e suas convicções, não há eufemismos ou máscaras e, esforçam-se para que aquilo que cultivam dentro de si se concretize. Claro que nem tudo é possível, há desejos-sonhos que simplesmente não serão possíveis de acontecer apesar de serem cultivados, mas há aqueles que sim, deverão se manifestar pela coerência que a vida pede. Eu, comecei a cultivar um sonho de visitar um lugar que se tornou importante, não sei se será possível durante a minha vida, mas não deixarei de cultivar. Voltando aqui, pessoas com essa denominada “síndrome” guardam consigo uma importante sabedoria que insistimos em esquecer durante a nossa vida, essa inteligência infantil, absolutamente honesta, absolutamente comprometida com o desejo, postura a qual nós arriscamos perder em meio a tanta hipocrisia dos meios sociais que convivemos.
Temos a nossa disposição um mercado de sonhos que leva as pessoas a encarar a vida com soluções agradáveis e fáceis, levando a esquecer que a beleza do caminho está no esforço e comprometimento. Algo que chega a magia, crendices que atinge pessoas ingênuas. Pobres acreditam num caminho com receitas: por aqui, façam assim. Mistificado com cristais, incensos, duendes, entidades, arcanos, amuletos, anjos, viagens, corpo sarado, baladas. Na verdade, maneiras encontradas para que o indivíduo não leve a responsabilidade por suas ações a fazendo de vítima. Levando para longe de um arranjo que leve ao auto-conhecimento, não é? Para que vou me conhecer se o que faço que transgride é retirado por meios fora da pessoa. Conhecer-se é condição para criar arranjos que leve a uma vida saudável, é condição para o cultivo do jardim, é condição para chamar o outro a caminhar.
Um bom lugar para se fazer esse arranjo de conhecimento de si é diante de Deus, sem máscaras ou disfarces, não adianta essas defesas com Ele não funciona, aliás, quando isso é utilizado, não se há um encontro com esse Outro, o contrário, um encontro consigo, não há saída, ex-peri-encia e partilha. Necessário perder as defesas para se expor em plenitude para ouvi-Lo.  A oração, meditação, contemplação dos mistérios da vida de Jesus, Jesus fazendo o Bem, Jesus crucificado, Jesus ressuscitado. Nesse viés de busca, há um apontamento de vida que leva o indivíduo a criar sonhos e realizá-los em modalidades mais plenificantes do ser, viver e conviver alegre. Aponta para o sonho de mais ser.
O conhecimento de si leva ao conhecimento de ‘qualidades’ e ‘defeitos’, luz e sombras e, conhecendo a vulnerabilidade com o desejo-sonho de mais ser, não deixa a pessoa numa acomodação medíocre, alocada em ações que apequenam a pessoa, retiram o senso crítico, autocrítica. Não há espaço para ‘cenas’ ilusórias e incompatíveis com os dons e limites da história de cada um, nesse espaço pode encontrar crendices e religiosidades que tomam o lugar do conhecimento da Fé. Deixa sim, o desejo-sonho de mais ser, o individuo no conhecimento de que é morada de limites e seus dons e uma constante insatisfação, um estado de inacabamento algo que desperta o desejo de mais ser, para mais ser, ‘autoconhecer’, ‘autoconhecer’ diante de Deus, perante Deus cultivo zeloso de nosso jardim com o plantio de nossos sonhos.




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