eu-no-mundo
Pode parecer muito estranho falar
em passado em uma sociedade que só vive do que se é presente, daquilo que
acontece no imediato. O risco disso, melhor dizendo, a verdade disso é que no
imediato não há espaço o nascimento de raízes e, sem raízes toda planta pode
ser arrancada com maior facilidade. Às vezes penso que é mais fácil viver
assim, viver essa praticidade do nosso tempo em todas as nossas esferas
humanas. No entanto, viver assim paga-se um preço, o preço da angústia de estar
sempre buscando um sentido para a vida, o preço de estar sempre nas repetições
mesmo que estas disfarçadas em outros atos, o preço da falta de autenticidade.
Longe disso é saber que o
passado, em momentos da vida, constitui-se a verdade do presente. Pois é nesse
espaço não mais possível de se mudar objetivamente que mostra a razão mais
profunda de muitos atos e posturas presentes. Assim o passado torna-se apenas
um modo como se vive o presente, ou seja, vivências que acontecem no presente
podem nos reportar a vivencias passadas, pois a primeira nos faz viver uma
ex-peri-encia a qual abre nossos olhos. O que é ex-peri-encia?
Experiência é a conjug-ação da
ciência que temos sobre mundo ao nosso redor na medida de nossa doação para o
mesmo. Ela designa a compreensão das abordagens que fazemos do cotidiano.
‘encia’: Ciência é acima de tudo a tomada de consciência de algo,
objeto em seus mais diversos aspectos. Desmascarar nossas pressuposições diante
de um objeto, dar um novo significado as
abordagens que trazemos a partir da sociedade, interpretações por outros e
também da própria caminhada pessoal. As estruturas já presentes no consciente
são confrontadas com a realidade.
Peri: Uma abordagem isolada do mundo mas, a síntese de muitas
percepções e combinações reunidas. Isso acontece para quem tem o desejo do
conhecimento, na medida em que há abertura o objeto em que se tem experiência torna-se
conhecimento por diferentes ângulos..
Ex: Uma expressão que significa estar orientado para ou aberto
para, ou seja, essas duas letras juntas traduzem uma condição essencial do
humano para sua ex-isitência, pois, é um ser voltado para fora em sintonia e
comunhão com o outro e com o mundo.
Nesse movimento é inerente toda a carga pessoal que se encontra com o
outro e o mundo, entenda carga pessoal como personalidade, afetividade e
sexualidade, esses três elementos conjugados é que nos permitem fazer um
movimento para fora, ex-teriorizar.
Assim a experiência é a forma com
que interiorizamos a realidade e como consequência a forma com a qual situamos
no mundo. A experiência nos proporciona motivação para irmos além do que
conseguimos ver a priori, horizonte.
Nessa abertura a experiência do presente cria
novas lentes para enxergamos o nosso passado, deixando este mesmo no presente.
Começamos então a perceber que os fatos passados se tece qual teia de aranha,
cada ponto ligado ao outro mesmo que distantes e ao centro o espaço onde tudo
se sustenta. A missão é entender a ligação desses pontos até chegar ao centro
sustentador. Mas esta travessia não acontece sem uma pitada de sofrimento e
muito menos sem crises purificadoras para maturidade. Maturidade faz a ligação
com a capacidade de escolha e a capacidade de bancar essa escolha, ou seja, a
capacidade de definir-se diante da vida.
A partir dessa definição do
eu-no-mundo e as experiências que isso traz em consequência, se faz possível ler
novamente o passado, fazer uma revisão em função do presente e perceber que o
sentido da vida nasce no passado que culmina no presente. Logo, o importante é
o que se faz com isso neste momento, não vale em nada ruminar o passado para
entender o presente se não houver uma prática construtiva, a partir disso,
mister é sair do lugar aparentemente confortável e desbravar com humildade e
coragem novos horizontes que aparecem a cada experiência do que é novo mesmo
que esse novo seja sofrido, porém, não por isso deva ser lamurioso. Um
parêntese, cá entre nós, há de ter muita paciência para ficar ouvindo pessoas
reclamando das dificuldades a todo tempo como justificativas para estarem onde
estão e não fazerem absolutamente nada para mudar, para muitos o gozo das
coisas está justamente na lamuri-ação.
O eu-no-mundo também vem
vinculado com nossa identidade. Necessário se faz pensarmos naquilo que é
diferente para tomarmos consciência de quem somos nós, fato que nos interpela
pela atenção do que é diferente e pela dinâmica que essa constatação nos faz:
crescimento de identidade. Bem verdade que em tempos de crise temos a tendência
natural de refutar aquilo que nos é diferente, aquilo que nos é novo causa
estranheza, a sensação de ingovernável é angustiante mas, por outra via, como bem
disse é uma oportunidade de crescimento tanto em nível pessoal quando em nível
relacional. Pois, a diferença auxilia a identidade quando ela é um desafio ao
crescimento. Uma identidade concreta quando diante da diferença, traz para o
indivíduo uma satisfação por ser a si, melhor, a realidade que nos é dada sobre
a qual não tivemos oportunidade direta de escolha, família, gênero, cor,
cultura, época e algumas circunstancias da própria vivencia.
Dentro de um mundo globalizado
hoje percebo algumas coisas latentes: não aceitação do novo e do diferente sem
critérios objetivos, apenas não aceitos como válidos por ser novo e diferente;
um fechamento pelo medo do novo, pelas ameaças que ele pode gerar no que tange
a identidade. Diante disso, uma reflexão crítica, revisando a identidade atual,
comparando-a com outros aspectos humanos e por que não sagrados. Acho
inconveniente essa forma de pensar em que há um vago apelo a tolerância e ao
respeito para com a diversidade e a diferença, para mim, isso leva a uma volta
aquilo que acontece com muitas pessoas diante do novo, desafiador e difícil,
voltam a estruturas passadas, preferem estruturas simples, enraizadas e não
criativas, não abertas, sem uma leitura das apelações do que está a em volta.
Colocar essas questões em prática
volta-se novamente com a questão da maturidade, uma identidade sadia que leva a
compreensão e tolerância na diferença. Não digo em postura passiva mas sim, um
olhar mais profundo dos anseios do que é diferente, o que inclui também fragilidade.
Sem isso, corremos sérios riscos de repetirmos posturas tipicamente
infantis:dependência, falta de senso crítico. Diretamente, uma fuga do presente,
ou seja, a não conjugação do passado com o presente na constante caminhada da
vida.
Há um caminho, primeiro pensar na
superação da desconfiança sobre si mesmo, da vergonha, da dúvida, da culpa, da
inferioridade, para assumir uma satisfação sobre si mesmo e consequentemente
sobre as escolhas pessoais e comunitárias que se faz dia a dia, claro,
novamente, levanto em consideração toda a carga histórica que cada um carrega
consigo. Dessa forma um grande passo para pessoa se autenticar, ter consciência
de que “ninguém dá o que não se possui”, entrega sem
ansiedades e muito menos medos, abrir-se ao novo que transforma. Depois percebe
que a identidade é constantemente recriada diante das pessoas e momentos
vividos, somos vasos de barro em constante formação e re-formação...
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