Curiorisar


No início trabalhar com pedaços tão pequenos não entrava na minha mente. Quem me mostrava afirmava que partículas condida no líquido eram do tamanho da bilionésima parte do metro. Coisa complicada de se imaginar de início, ver a distância de um metro e dividir esse espaço em um bilhão de partes. Sendo a única afirmativa palpável que se tinha era o tom meio azulado daquele líquido. Para mim e para muitos era uma água azulada. E quando então fiquei sabendo que aquelas partículas que nem conseguia imaginar não obedeciam a lei da gravidade, ou quando em determinada circunstâncias polos elétricos iguais atraiam um ao outro ao invés de repelir, ou ainda que certas substâncias podem ser tóxicas no verão e não ser tóxicas no inverno, ou ainda que pedacinhos tão pequenos unidos poderiam sustentar um prédio inteiro. Fui apresentado ao mundo chamado nano.
Até aquele momento nanotecnologia era coisa distante, acreditava nessa possibilidade porque os entendidos falavam. Quando a gente não entende qualquer coisa que se fala torna-se verdade, a ignorância em muitos casos é pura. E ouvi muitas coisas as quais hoje sei que são asneiras, outras não...
Sempre tive certa dificuldade com ciência exata, engraçado um estudante de farmácia falar isso, já que o mundo envolto desse estudante é sempre tudo muito exato, sustentado por números de concentrações, médias, desvios padrões, gráficos...mas o que me chamou a atenção não foi esse mundo exato, o que me chamou a atenção foi o caos que mora por detrás desse mundo. A verdade contida nos números aparece depois de muita exatidão, melhor, pelas dúvidas que se chega a verdade. Quanto a isso acho que sempre fui uma criança curiosa.
Por isso ao ver aquela água azulada e ouvir tantas coisas que não me cabiam na mente fui ‘curiorisar’, curiorisar é procurar saber, entender passando por três fases, o estranhamento, a domesticação e o habitual. Estranhamento é quando as coisas tocam você  e a princípio lhe causam admiração e temor, tendo isso começa a estudar o objetos por todos os seus ângulos fazendo com que aquilo que era estranho doméstico, ou seja, começo a interpretar aquilo que é mostrado até fazer parte da paisagem do dia a dia, habitual. Porém isso não acontece com o puro prazer, cá entre nós, ler artigo cientifico, não pelo conteúdo, mas pela forma é cansativo. Mas, para uma rosa se tornar um rosa tem que aguentar duas ou três lagartas, algo assim, não é?
Foi então que aos golinhos a água azulada começou a me mostrar suas milhões de partículas...não, não, nessa altura já não são partículas, nanopartículas, toda a diferença, rs! Comecei então a enxergar as suas formas, as suas cargas de superfície, o seu movimento que não obedecia à lei da gravidade. A água azulada líquida, se tornou uma água azulada concreta. Compreendendo isso a manipulação ficou mais fácil, habitual, tanto que comecei a ver essas coisas pequenas em outros lugares. Inevitável não pensar todas as vezes que tomo leite estou tomando um monte de nanos.
Entretanto isso ainda era muito pouco, ser um mero reprodutor de ideias na bancada do laboratório se tornou um desprazer. Com o tempo, apenas sentava na bancada e nem pensava o que estava fazendo ou o que estava acontecendo em minha frente, o habitual se tornou banal. E no meio desse banal vagueou um pensamento, essas pessoas que tiveram essa ideia que fico maquinando todos dos dias, um dia tiveram as criaram. Tudo se transforma, eles transformaram seus estudos, suas bases nessas coisas novas, porque então não começar a fazer isso, pensei comigo. Isso é sempre um desafio, pensar o ninguém pensou, fazer o que ninguém fez, enxergar o ninguém viu. Apreender que ninguém é apenas manipulador do mundo, somos também capazes de ler a mensagem que cada objeto carrega em si...por exemplo há mais ou menos uma ano atrás o meu orientar fez isso, misturou dois líquidos e enxergou a formação de nossas nanos. Com certeza muita gente fez o que ele fez muitas e muitas vezes, mas ele no mundo inteiro foi o primeiro a divulgar isso, tal nos colocou no mundo das patentes, mas isso é outra história. Um outro pensamento vagueou, como ele viu isso? Base, observação, sensibilidade e cuidado.
Estava de frente com algo que estava querendo fazer e ainda mais motivado. Sabe ter insônia as vezes pode ser muito bom, quando tudo está em silêncio as suas ideias começam a ter voz, suas experiências vagas começam a te confrontar com argumentos e você não inerte confronta com outros argumentos aprendidos e o que era vago começa a transparecer, ficar mais nítido e aquele insight aparece! A alegria e o desejo de faze-lo prática toma conta de você e o prazer das dúvidas, de tantos resultados errados mostrando a direção do certo volta em meio ao banal de todo dia... agora bacana mesmo é quando a gente extrapola os nossos feitos em bancada para o mundo, mas isso fica para uma outra prosa!



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