Silêncio


Silêncio por muito tempo foi para mim sinônimo de ausência. Não suportava aquela ausência de palavras me era custoso conviver com ausência de resposta. Mas foi em uma ocasião que percebi que certas expressões não cabem em palavras, essa sistematização que fazemos a todo momento é muito árido para expressar o que certos sentimentos nos imprimem. Ultrapassa qualquer tentativa de coesão em frases. Há até uma dinâmica que particularmente gosto muito, assim: uma pessoa fala uma palavra qualquer e a outra sem pensar responde prontamente, sem racionalização, a primeira palavra que vem a mente. As palavras ditas ficam em segundo plano, o que importa é o que faz morada entre uma palavra dita e outra respondida. Descobre-se muito do outro e sobre nós mesmos quando tomamos a coragem de ver as coisas pelo avesso, pelo não dito, nas entrelinhas.
Um poeta certa vez disse que descobrimos que amamos alguém quando ligamos a sua pessoa a uma metáfora poética. De forma literal, não conseguimos expressar tudo o que sentimos, pois a aridez do literal é flácida apesar de sólida. Nossos sentimentos têm sede do que não se pode expressar literalmente, entendo quando Adélia fala, “para meu desejo um mar é uma gota”. Metáforas não se explicam, mas aqui peço a liberdade de comentar. O desejo era tão intenso que comparado com algo imenso, esse imenso ficava tão pequenino diante do tamanho do sentimento. Expressar todo esse sentimento tal qual falamos ou escrevemos, ficaria um sentimento vazio, mas quando se compara com gota e mar, tudo ganha sentido, nosso coração consegue dimensionar coisas que a lógica não consegue.
Fico triste quando vejo que esperam acontecer coisas trágicas, grandes para relacionamentos terminarem, esperamos coisas grandes acontecerem para tomarmos consciência. Relacionamentos terminam, pois não somos capazes de ouvir o silêncio. São nas pequenas coisas cotidianamente que levam os relacionamentos a terminarem, vivi-se a arte de engolir sapos, mas chega um momento que ficamos cheios e uma coisinha de nada quando olhada fora do contexto, levam a separação. Ouvir o silêncio do outro é um modo de falar, em silêncio, compreendo você, sei que minhas atitudes não te agradam, quero me tornar uma pessoa melhor para que esse sentimento que tenho por você permaneça e assim continuemos de mãos dadas. Ouvir o silêncio do outro é ter o dom da adivinhação, quando olhamos para os olhos de quem está com a gente e de alguma forma conseguimos sentir um pouco, do modo de cada um é claro, do que se passa no coração é como se os corações se abraçassem e ainda em silêncio, falamos, seu silêncio significa muito para mim, pois, é nele que eu me encontro com você. Há também aqueles silêncios gritantes. Já conseguiram ouvir? Não!?!?! Faça a experiência, chegue bem perto da pessoa que você muito gosta, não diga nada e, de repente, não mais que de repente, vai sentir a mão soar, o coração bater (querendo sair pela boca, fisiologicamente falando), frio na barriga... é o silêncio gritando, agora, cada manifestação dessa só sabe o significado mais profundo quem compartilha esse silêncio.
A arte tem muito disso, nos capacita de entrarmos em nosso coração sem defesas e, adentrando descobrimos pessoas. Hoje mesmo, amanheceu com uma chuvinha mansa de primavera, climas assim fazem meu pensamento voar, voando encontrei a seguinte pergunta: “como entrou em meu coração?”. Foi então que percebi que não entrou, foi quando eu mergulhei para dentro dele que encontrei, fazia morada bem antes de eu tomar consciência mas, só após o mergulho que pude expressar o que sentia. Descobri a diferença em amor e paixão, aquele ama, vive amorosamente o seu sentimento como uma criança, não entendeu? Abra os ouvidos e ouça o silêncio que toda a criança a todo o momento está a dizer sobre o que é vida e viver. Agora, o apaixonado sofre pelo sentimento, pois sabe da possibilidade da perda. A criança ama e ponto, não se esforça para mostrar seus sentimentos eles fluem naturalmente pelas suas expressões, o apaixonado sofre por sentir a necessidade de cada instante ter que mostrar o que sente na fantasia de evitar o risco de da perda, bobo! Quem entendeu a saudade, sabe que amor não passa pelo medo, mas pela confiança, pelo conceito que você tem do outro e, ainda, pela intimidade da vida partilhada ao som do silêncio mútuo.

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