...cuidar de si...uma prosa antiga com a Paula!
Publiquei
partes desse texto em uma disciplina de filosofia do mestrado, que por hora
finalizo. Na referida disciplina estudávamos as metodologias do conhecimento
tendo por base o livro Hermenêutica do
Sujeito de Michel Foucault. Um livro que recomendo a todos amantes da vida,
de si e da filosofia.
O livro é uma descrição das
aulas (seminários) de Foucault, portanto temos no Brasil algumas traduções,
boas por sinal, sobre o cuidado de si.
O termo "hermenêutica" provém do verbo grego
"hermēneuein" e significa "declarar", "anunciar",
"interpretar", "esclarecer" e, por último,
"traduzir". Alguns defendem que o termo deriva do nome do deus da
mitologia grega Hermes, por este ser sido considerado
patrono da comunicação e do entendimento humano. Outros dizem que o termo
"hermenêutica" deriva do grego "ermēneutikē" que significa
"ciência", "técnica" que tem por objeto a interpretação de
textos poéticos ou religiosos, especialmente da Ilíada e da
"Odisséia"; "interpretação" do sentido das palavras dos
textos; "teoria", ciência voltada à interpretação dos signos
e de seu valor simbólico.
Interessante pensar a intensão de Foucault em realizar estudos sobre a
hermenêutica do sujeito, o que ele queria com isso? Só lendo para saber... como
queria Foucault, que cada tire suas própria conclusões.
Eis a minha:
O
autor considera que existem dois preceitos: o epimeleia heautou que é o
cuidado de si-mesmo, a preocupação consigo-mesmo, etc.; e a prescrição délfica
da gnôthi seauton – fórmula fundadora da questão das relações entre
sujeito e verdade – que quer dizer conhece-te a ti mesmo; que em certo número
de textos platônicos se conjugam, como, por exemplo, em Apologia a Sócrates.
Em Alcebíades, no entanto, o gnôthi seauton sempre teve uma espécie de
subordinação ao epimeleia heautou, como uma maneira de aplicação
concreta da regra geral de ocupar-se de si-mesmo.
Encontramos,
em Alcebíades, três condições que determinavam, ao mesmo tempo, a razão de ser
e a forma do cuidado de si: 1- aqueles que deveriam se ocupar de si mesmos eram
jovens destinados a exercer o poder; 2 – o objetivo era o bom exercício do
poder; 3 – a forma exclusiva onde ocupar-se de si é conhecer a si próprio.
Em
Platão, estas três condições, que Foucault chama, também, de “determinações” ou
“limitações”, desapareceram. Primeiramente, os que deveriam ocupar-se de si não
eram mais, exclusivamente, jovens políticos, mas todos poderiam fazer isso, sem
importar-se com a idade ou o status.
Em seguida, não existia mais o único objetivo
de bem governar os outros, mas o cuidado tem o fim em si mesmo: em Alcebíades o
objeto do cuidado era o próprio cuidado, mas o fim era a cidade, mais tarde, o
“si” torna-se objeto e fim. A característica exclusiva do cuidado de si se
atenua e torna-se coextensivo à vida, em um conjunto mais vasto, o que podemos
chamar de conversão, epistrophê – conhecer o verdadeiro, liberar-se – um
movimento que pode nos conduzir deste mundo para outro.
Foucault
separa os gêneros de expressão em quatro famílias: 1 – os atos do conhecimento:
cuidar-se de si, voltar seu olhar para si, examinar-se a si próprio,...; 2 – a
idéia de movimento: conversão do olhar, vigilância necessária a si, “movimento
global da existência que é levada, convidada a girar, de alguma maneira, sobre
ela mesma e a se dirigir ou voltar-se para si.” (P. 82); 3 – o vocabulário
médico, jurídico e religioso: cuidar-se, sarar-se, amputar-se, abrir seus
próprios abscessos, reivindicar-se a si mesmo, liberar-se, render-se culto,
honrar-se,...; 4 – a relação de controle: dar prazer a si mesmo, satisfazer-se,
etc.
Com
Alcebíades, o momento de se ocupar de si mesmo era a idade da passagem da
adolescência à fase adulta, em que o moço deveria passar do erótico ao
político. Após Platão, o cuidado deveria ser permanente. Mesmo antes do século
I, Epicuro escreveu:
Quando se é jovem,
não se pode evitar de filosofar e, quando se é velho, não se deve cansar de
filosofar. Nunca é muito cedo ou muito tarde para cuidar de sua alma. Aquele
que diz que não é ainda, ou que não é mais tempo de filosofar, parece àquele
que diz que não é ainda, ou não é mais tempo de atingir a felicidade. Deve-se,
então, filosofar quando se é jovem e quando se é velho, no segundo caso (...)
para rejuvenescer ao contato do bem, pelas lembranças dos dias passados, e no
primeiro caso (...) afim de ser, ainda que jovem, tão firme quanto um velho
diante do futuro. (P. 85)
Assim sendo, filosofar é cuidar de
si e isto é uma felicidade (encaixando-se na última família de expressões que
vimos acima) pois o objetivo é ser feliz na presença de si próprio. A vida,
sobretudo na velhice, torna-se mais feliz. Esta nova forma é, para todos os
jovens, uma preparação para ser velho e, para os velhos, uma forma de
revigorar-se com o bem.
Esta mudança faz do cuidado de si um
corretor, além de formador. A formação que se seguiu mudou de forma: no lugar
da formação profissional teve-se a formação para que se suporte, adequadamente,
os problemas da vida; é um mecanismo de segurança. No final da adolescência (no
caso de Alcebíades) é necessária, preferencialmente, a formação, e na idade
adulta (em que, segundo Sêneca o mal está no interior do homem) é preciso a
correção, a crítica.
Em seguimento, há uma aproximação da
medicina marcada, primeiramente, pelo regrupamento conceitual entre a medicina
e a filosofia, onde a paixão evolui como uma doença até o vício; em seguida,
pela prática de si concebida como uma operação médica. Havendo três definições
para therapeuein.
Therapeuein
quer dizer, evidentemente, fazer um ato médico cuja função é curar, cuidar,
mas, therapeuein, também, é atividade do servidor que obedece às ordens
et que serve a seu mestre; enfim, therapeuein é render culto. Ora, therapeuein
heauton há de querer dizer, ao mesmo tempo, cuidar-se, ser de si mesmo seu
próprio servidor, e render um culto a si mesmo. (P.95).
Segundo
Marco Aurélio, citado por Foucault, este culto consiste em guardar-se puro de
paixão. A partir disso, tivemos a escola de filosofia como um dispensário da
alma que fez com que Epíteto dissesse: “Não se deve, quando se sai da escola de
filosofia, ter tido prazer, mas ter sofrido.” (P. 96).
O
corpo, torna-se, também, objeto de preocupação; ocupar-se de sua alma é
ocupar-se de seu corpo. Tanto no “ocupar-se” como no “preocupar-se” o fim deve
ser a alma. Finalmente, tem-se o conceito de velhice que deixa de ser somente o
casal sabedoria/fraqueza para ser definida como a recompensa de toda a vida
(diferentemente do cristianismo, onde a recompensa está além da vida).
Pode-se
concluir que, depois de ter mostrado como o cuidado de si tornou-se coextensivo
à vida individual, ou seja, ao percurso da adolescência até a idade adulta ou,
ainda, ao laço entre a idade adulta e a velhice, Foucault esclarece que, neste
período da filosofia, ele não tinha uma relação privilegiada com a medicina,
sendo apenas um começo onde seguir-se-ia uma intrincação psíquica e corporal
que seria, mais tarde, o centro do cuidado de si.
Com
relação à velhice, percebe-se que é necessário haver um momento preciso para
ocupar-se de si, a hora exata, a importância desse kairos não é mais
pedagógica, que ocorre na passagem da adolescência para a vida adulta. Para a
tradição pitagórica, esse tempo foi alargado da seguinte forma: os vinte
primeiros anos considerados como infância, dos vinte aos quarenta como
adolescência, dos quarenta aos sessenta como juventude e após os sessenta a
velhice. O kairos ocorreria, então, aos sessenta, onde já se tem
experiência; na idade da maturidade dos que têm por objetivo a velhice, fazendo
de todo o percurso da vida, uma preparação para isso:
Por conseqüência, se
a velhice é bem isso – esse ponto desejável -, é preciso compreender (primeira
conseqüência) que a velhice não deve ser, também, percebida como sendo uma fase
na qual a vida se encontra mediocrizada. A velhice deve ser considerada, ao
contrário, como um objetivo, e como um objetivo positivo da existência. É
preciso voltar-se para a velhice, não se deve resignar-se a ter que afrontá-la
um dia. É ela, com suas formas, que deve polarizar todo o curso da vida. (P.
106).
Foucault
acabou, nestes cursos, por se desvencilhar do filósofo moderno não espiritual
para mostrar os traços de espiritualidade que seus colegas da antiguidade
apresentavam. Cuidar de si, de sua alma seria a condição para o cuidado do
próximo, o que se tornará, no início da era cristã, uma obrigação de toda a
existência. Demonstra a verdadeira felicidade sendo o cuidado de si mesmo
através dos questionamentos primeiros do que sou, o que quero e para onde vou.
É
preciso cuidar seriamente de nossas “almas” para deixar se escravizar por
químicas, dogmas e falta de filosofia.
Paula Leão
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